quarta-feira, 1 de julho de 2015

Integração sul-americana caminha a passos lentos, mas caminha! Jamile Lourdes Ferreira Tajra

Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa Processos Participativos na Gestão Pública e Observatório das Nacionalidades.

Em 29 de dezembro do ano passado, o Congresso argentino aprovou a lei que regulamenta as eleições diretas para o Parlamento do MERCOSUL. Com os votos favoráveis da bancada governista, o projeto foi aprovado com 37 votos do bloco “Frente para a vitória” e seus aliados, contra 12 votos de todos os blocos de oposição juntos. Em 08 de janeiro deste ano, foi a vez da presidente, Cristina Kirchner, promulgar a lei que modifica o código eleitoral do país de forma a incluir as eleições para o Parlasul já em 2015. Nas próximas eleições, marcadas para outubro desse ano, além de um novo presidente, os argentinos deverão escolher também 43 parlamentares para o órgão de representação popular no âmbito do MERCOSUL.
O Parlamento do MERCOSUL, Parlasul, sediado em Montevidéu, Uruguai, existe desde 2005, quando passou a substituir a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), antigo órgão de representação legislativa dos Estados-partes. A grande inovação do Parlasul é que este funciona como órgão de representação dos cidadãos enquanto aquela funcionava como representação dos Estados-partes. Sendo assim, enquanto a CPC contava com bancadas paritárias (18 cadeiras para cada Estado-parte), o Parlasul demandou a adequação destas com vista a equilibrar o quociente de representação das populações envolvidas.
De acordo com o cronograma previsto em seu Protocolo Constitutivo (PCPM), readequadas as bancadas, o Parlasul contará com 74 parlamentares brasileiros e 43 argentinos; Paraguai e Uruguai, pelo critério da proporcionalidade atenuada, contarão com 18 cadeiras cada um; já a Venezuela terá direito a 23 lugares no Parlamento. A Bolívia, em processo de adesão ao bloco, ainda não teve sua bancada estipulada. O mandato dos Parlamentares terá a extensão de quatro anos e caráter exclusivista, ou seja, não poderá ser cumulativo com outro cargo eletivo no interior dos Estados-partes, como vem acontecendo hoje, quando os membros do Parlamento são indicados pelas respectivas casas legislativas nacionais.
O Parlasul exerce suas atividades por meio de anteprojetos e projetos de norma, pareceres, declarações, relatórios, disposições e recomendações aos Estados-Partes e aos demais órgãos do bloco. Um dos principais questionamentos quanto à validade da sua existência, diz respeito ao fato de o órgão não possuir competência decisória nem capacidades legislativas próprias. Funciona, no limite, prestando assessoria aos órgãos executivos do bloco. Seus defensores, a seu turno, indicam o artigo 4º, inciso 12, do PCPM, que discorre que, com o objetivo de acelerar o processo legislativo no âmbito do bloco, o Parlasul tem um prazo de 90 dias para emitir parecer sobre as decisões do Conselho do Mercado Comum (CMC), como a principal contribuição do Parlasul à criação normativa no âmbito do MERCOSUL, visto que, em última instância, este processo submeteria as decisões dos órgãos executivos do bloco ao crivo dos representantes do povo, democraticamente eleitos. Este mecanimismo, no entanto, carece ainda de implementação.
No Brasil, assim como na Argentina, a questão da integração sul-americana, na qual se insere o debate sobre o Parlasul, é alvo de críticas e calorosas discussões. Em ambas as casas do Congresso Brasileiro há um forte embate entre os que defendem uma integração mais completa e de caráter também sociocultural, para além do comercial, e aqueles que apregoam que, garantida uma balança comercial favorável para o Brasil, os demais campos da integração são residuais, não merecendo maiores investimentos. A saber, no último ano a balança comercial do país com a região, ainda que tenha apresentado estatísticas de retração em relação aos anos anteriores, foi superavitária em mais de US$6 bilhões. Dessa pauta de exportações, mais de 80% são de produtos manufaturados, de alto valor agregado, o que diversifica nosso repertório de comércio exterior e eleva o bloco à condição de parceiro estratégico e indispensável para o Brasil.
A ideia de fomentar os quatro eixos da integração, quais sejam, politico, econômico, social e cultural, que promoveu a abertura institucional do bloco no contexto da qual foi instituído o Parlasul, foi uma iniciativa do governo Lula da Silva (2003-2010) que, já em seu discurso de posse, definia o MERCOSUL como eixo prioritário de sua Política Exterior. Porém, à revelia do que previam todos os cronogramas estabelecidos para a institucionalização do órgão, o desinteresse e mesmo o desconhecimento do órgão regional por parte dos congressistas brasileiros fez com que nenhum dos projetos de lei que regulamenta as eleições diretas para Paramentar do MERCUSUL fossem levados a votação nos plenários da Câmara e do Senado.
O PL 5.729/2009, de autoria do economista e então deputado federal, PT-SP, Carlos Zarattini (PT-SP), e relatoria do ex-deputado federal, ex-presidente do Parlasul e atual Alto Representante-Geral do MERCOSUL, Florisvaldo Fier (mais conhecido como Dr. Rosinha), foi o primeiro na tentativa de estabelecer as normas gerais para a eleição dos parlamentares brasileiros. Dr. Rosinha, expoente defensor do Parlasul e da integração sul-americana em suas múltiplas esferas, chegou a apresentar um PL substitutivo, que adequava as datas extrapoladas pelo primeiro projeto, mas somente se aplicaria ao primeiro pleito, sendo necessária a elaboração de outro PL para as eleições subsequentes. Em 2011, o Projeto de Lei do Senado, PLS 126/2011, de autoria do então Senador Lindenbergh Farias (PT-RJ), propunha a eleição de um parlamentar por estado da federação segundo votação majoritária, como acontece com os senadores, sendo os demais escolhidos pelo sistema proporcional às populações dos estados, por meio de listas preordenadas dos candidatos. Por sua vez, o PL do Senado 353/2013, apresentado pelo Senador e atual Presidente da representação brasileira no Parlasul, Roberto Requião (PMDB-PR), estabelecia como regra o sistema proporcional, ou seja, quanto maior a população dos estados, maior representatividade o estado teria no Parlamento regional.
Todos os PLs apresentados têm em comum a proposta de estabelecer vencimento equivalente ao de Deputado Federal aos Parlamentares eleitos para o Parlasul. Nenhuma das tentativas, no entanto, logrou êxito e o Brasil continua a enviar representantes indicados por decisão interna, dividindo a bancada entre as duas casas legislativas federais.
O cronograma não cumprido, por sua vez, corrobora para jogar o Parlasul no descrédito por parte de setores domésticos de todos os países do bloco. Entre janeiro de 2011 e dezembro de 2012 o órgão ficou paralisado devido ao não envio do Brasil e, posteriormente, da Argentina, de seus representantes. Em maio de 2015, os 122 parlamentares do órgão novamente suspenderam suas atividades, desta vez por falta de verba para despesas administrativas. A falta de um orçamento próprio fez com que o déficit acumulado chegasse a US$5,1 milhões, dos quais o Brasil é o maior devedor.
O dado é que, até agora, somente o Paraguai, que passou por situação delicada dentro do bloco, sendo inclusive suspenso por ocasião do golpe de Estado, que em junho de 2012 depôs o então presidente, Fernando Lugo, realizou as ditas eleições diretas para o Parlasul. A Argentina é o segundo sócio a estabelecer suas normas de eleição.
A última diretriz do órgão no tocante ao estabelecimento de prazos foi mais generosa, determinando 31 de dezembro de 2020 como data limite para os cinco membros (talvez seis, se até lá o bloco tiver concluído o processo de adesão da Bolívia) plenos realizarem as eleições diretas para os seus representantes, condição sine que non para a institucionalização e o pleno funcionamento do órgão de representação civil do MERCOSUL e, com isso, o fortalecimento da cidadania no âmbito do bloco. Vejamos se até lá o Brasil põe no trilho certo o trem da integração sul-americana.


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