Doutoranda
em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
– UFRGS Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa Processos
Participativos na Gestão Pública e Observatório das Nacionalidades.
Em 29 de dezembro do ano
passado, o Congresso argentino aprovou a lei que regulamenta as
eleições diretas para o Parlamento do MERCOSUL. Com os votos
favoráveis da bancada governista, o projeto foi aprovado com 37
votos do bloco “Frente para a vitória” e seus aliados, contra 12
votos de todos os blocos de oposição juntos. Em 08 de janeiro deste
ano, foi a vez da presidente, Cristina Kirchner, promulgar a lei que
modifica o código eleitoral do país de forma a incluir as eleições
para o Parlasul já em 2015. Nas próximas eleições, marcadas para
outubro desse ano, além de um novo presidente, os argentinos deverão
escolher também 43 parlamentares para o órgão de representação
popular no âmbito do MERCOSUL.
O Parlamento do MERCOSUL,
Parlasul, sediado em Montevidéu, Uruguai, existe desde 2005, quando
passou a substituir a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), antigo
órgão de representação legislativa dos Estados-partes. A grande
inovação do Parlasul é que este funciona como órgão de
representação dos cidadãos enquanto aquela funcionava como
representação dos Estados-partes. Sendo assim, enquanto a CPC
contava com bancadas paritárias (18 cadeiras para cada
Estado-parte), o Parlasul demandou a adequação destas com vista a
equilibrar o quociente de representação das populações
envolvidas.
De acordo com o cronograma
previsto em seu Protocolo Constitutivo (PCPM), readequadas as
bancadas, o Parlasul contará com 74 parlamentares brasileiros e 43
argentinos; Paraguai e Uruguai, pelo critério da proporcionalidade
atenuada, contarão com 18 cadeiras cada um; já a Venezuela terá
direito a 23 lugares no Parlamento. A Bolívia, em processo de adesão
ao bloco, ainda não teve sua bancada estipulada. O mandato dos
Parlamentares terá a extensão de quatro anos e caráter
exclusivista, ou seja, não poderá ser cumulativo com outro cargo
eletivo no interior dos Estados-partes, como vem acontecendo hoje,
quando os membros do Parlamento são indicados pelas respectivas
casas legislativas nacionais.
O Parlasul exerce suas
atividades por meio de anteprojetos e projetos de norma, pareceres,
declarações, relatórios, disposições e recomendações aos
Estados-Partes e aos demais órgãos do bloco. Um dos principais
questionamentos quanto à validade da sua existência, diz respeito
ao fato de o órgão não possuir competência decisória nem
capacidades legislativas próprias. Funciona, no limite, prestando
assessoria aos órgãos executivos do bloco. Seus defensores, a seu
turno, indicam o artigo 4º, inciso 12, do PCPM, que discorre que,
com o objetivo de acelerar o processo legislativo no âmbito do
bloco, o Parlasul tem um prazo de 90 dias para emitir parecer sobre
as decisões do Conselho do Mercado Comum (CMC), como a principal
contribuição do Parlasul à criação normativa no âmbito do
MERCOSUL, visto que, em última instância, este processo submeteria
as decisões dos órgãos executivos do bloco ao crivo dos
representantes do povo, democraticamente eleitos. Este mecanimismo,
no entanto, carece ainda de implementação.
No Brasil, assim como na
Argentina, a questão da integração sul-americana, na qual se
insere o debate sobre o Parlasul, é alvo de críticas e calorosas
discussões. Em ambas as casas do Congresso Brasileiro há um forte
embate entre os que defendem uma integração mais completa e de
caráter também sociocultural, para além do comercial, e aqueles
que apregoam que, garantida uma balança comercial favorável para o
Brasil, os demais campos da integração são residuais, não
merecendo maiores investimentos. A saber, no último ano a balança
comercial do país com a região, ainda que tenha apresentado
estatísticas de retração em relação aos anos anteriores, foi
superavitária em mais de US$6 bilhões. Dessa pauta de exportações,
mais de 80% são de produtos manufaturados, de alto valor agregado, o
que diversifica nosso repertório de comércio exterior e eleva o
bloco à condição de parceiro estratégico e indispensável para o
Brasil.
A ideia de fomentar os quatro
eixos da integração, quais sejam, politico, econômico, social e
cultural, que promoveu a abertura institucional do bloco no contexto
da qual foi instituído o Parlasul, foi uma iniciativa do governo
Lula da Silva (2003-2010) que, já em seu discurso de posse, definia
o MERCOSUL como eixo prioritário de sua Política Exterior. Porém,
à revelia do que previam todos os cronogramas estabelecidos para a
institucionalização do órgão, o desinteresse e mesmo o
desconhecimento do órgão regional por parte dos congressistas
brasileiros fez com que nenhum dos projetos de lei que regulamenta as
eleições diretas para Paramentar do MERCUSUL fossem levados a
votação nos plenários da Câmara e do Senado.
O PL 5.729/2009, de autoria do
economista e então deputado federal, PT-SP, Carlos Zarattini
(PT-SP), e relatoria do ex-deputado federal, ex-presidente do
Parlasul e atual Alto Representante-Geral do MERCOSUL, Florisvaldo
Fier (mais conhecido como Dr. Rosinha), foi o primeiro na tentativa
de estabelecer as normas gerais para a eleição dos parlamentares
brasileiros. Dr. Rosinha, expoente defensor do Parlasul e da
integração sul-americana em suas múltiplas esferas, chegou a
apresentar um PL substitutivo, que adequava as datas extrapoladas
pelo primeiro projeto, mas somente se aplicaria ao primeiro pleito,
sendo necessária a elaboração de outro PL para as eleições
subsequentes. Em 2011, o Projeto de Lei do Senado, PLS 126/2011, de
autoria do então Senador Lindenbergh Farias (PT-RJ), propunha a
eleição de um parlamentar por estado da federação segundo votação
majoritária, como acontece com os senadores, sendo os demais
escolhidos pelo sistema proporcional às populações dos estados,
por meio de listas preordenadas dos candidatos. Por sua vez, o PL do
Senado 353/2013, apresentado pelo Senador e atual Presidente da
representação brasileira no Parlasul, Roberto Requião (PMDB-PR),
estabelecia como regra o sistema proporcional, ou seja, quanto maior
a população dos estados, maior representatividade o estado teria no
Parlamento regional.
Todos os PLs apresentados têm
em comum a proposta de estabelecer vencimento equivalente ao de
Deputado Federal aos Parlamentares eleitos para o Parlasul. Nenhuma
das tentativas, no entanto, logrou êxito e o Brasil continua a
enviar representantes indicados por decisão interna, dividindo a
bancada entre as duas casas legislativas federais.
O cronograma não cumprido,
por sua vez, corrobora para jogar o Parlasul no descrédito por parte
de setores domésticos de todos os países do bloco. Entre janeiro de
2011 e dezembro de 2012 o órgão ficou paralisado devido ao não
envio do Brasil e, posteriormente, da Argentina, de seus
representantes. Em maio de 2015, os 122 parlamentares do órgão
novamente suspenderam suas atividades, desta vez por falta de verba
para despesas administrativas. A falta de um orçamento próprio fez
com que o déficit acumulado chegasse a US$5,1 milhões, dos quais o
Brasil é o maior devedor.
O dado é que, até agora,
somente o Paraguai, que passou por situação delicada dentro do
bloco, sendo inclusive suspenso por ocasião do golpe de Estado, que
em junho de 2012 depôs o então presidente, Fernando Lugo, realizou
as ditas eleições diretas para o Parlasul. A Argentina é o segundo
sócio a estabelecer suas normas de eleição.
A última diretriz do órgão
no tocante ao estabelecimento de prazos foi mais generosa,
determinando 31 de dezembro de 2020 como data limite para os cinco
membros (talvez seis, se até lá o bloco tiver concluído o processo
de adesão da Bolívia) plenos realizarem as eleições diretas para
os seus representantes, condição sine
que non para
a institucionalização e o pleno funcionamento do órgão de
representação civil do MERCOSUL e, com isso, o fortalecimento da
cidadania no âmbito do bloco. Vejamos se até lá o Brasil põe no
trilho certo o trem da integração sul-americana.